Documentário retrata a desigualdade social em invasão no shopping Sul Rio

Um movimento pacífico. Era com esse intuito que, em agosto de 2000, manifestantes organizaram uma ocupação no shopping Sul Rio, localizado na zona sul carioca. O documentário Hiato, após sete anos do episódio, recontou através dos olhares de quem participou do ato, uma sociedade que insiste em tornar grande parte de sua parcela invisível. Com luzes e decoração de Natal, a desigualdade social no Brasil contrastou entre pães com mortadela e os brinquedos que custavam mais que o salário mínimo da época.

Entre os olhares atentos de quem conhecia um shopping pela primeira vez, o grupo de manifestantes sem-teto recebeu olhares de repulsa e medo por onde passavam. “Quando a gente desceu do ônibus, a polícia já estava com o cassetete na mão e as lojas já estavam fechando as portas”, lembra a manifestante Elizabeth da Silva.

Elizabeth da Silva integrava o grupo de manifestantes.

Elizabeth da Silva integrava o grupo de manifestantes.

Claudionor Magalhães recorda que os seguranças do shopping ficaram mobilizados acompanhado cada passo dos moradores e chamaram a polícia. “Só que a gente não era bandido. Aquele dia o shopping teve mais policiais do que no morro”.

Para Ivana Bentes, professora de comunicação, os manifestantes fizeram algo absolutamente normal.  “Eles vão de ônibus, estacionam em frente ao Rio Sul. Ir ao shopping é a coisa mais normal do mundo. O fato de pessoas de outro grupo social estar naquele local produziu uma cena de pânico, de portas sendo baixadas. Houve toda uma mobilização de repressão contra pessoas de outra classe social que estavam passando uma parede invisível”, avalia Bentes.

Para o documentarista Silvio Tendler, o movimento denunciou as perversidades do processo de ‘globaritarismo’. “Eles contataram a grande imprensa e avisaram que iriam invadir o shopping. Quando a polícia viu que o ato tinha cobertura da mídia, eles não conseguiram barrar os manifestantes”, analisa Tendler.

“Me senti excluída da sociedade”. Esse foi o sentimento de Naira Lúcia ao ser olhada da cabeça aos pés e de ser julgada pela sua condição social. “Tinha uma mulher que ficou apavorada olhando a gente. Nos ofereceram 500 reais para sairmos de lá. Nem nos banheiros queriam deixar a gente entrar”, recorda.

Para Ivana Bentes, foi à invisibilidade política, social e cultural que ficou evidente naquele momento. “Então quer dizer que não pode chinelo, pão com mortadela em determinados espaços?”, questiona.

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Invasão virou manchete de jornais de grande circulação.

Na opinião de Tendler, o ato foi justamente para denunciar o consumo excessivo das classes mais altas. “Eles mostraram que vivem à margem da sobrevivência, que moram em barracos de madeira, sem cama, com chão de papelão. Usaram a mídia para exporem suas realidades”, afirma.

O manifestante Claudionor não esquece que foi discriminado pelas pessoas da mesma classe social. “O patrão mandou os funcionários fecharem as portas, mas não olharem pra gente com cara de nojo. As vendedoras são assalariadas e andam de ‘busão’”, desabafa. Naira Lúcia acredita que os pobres são lembrados apenas para servirem as pessoas de classes mais favorecidas. “Somos invisíveis”, finaliza.

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