Valor Econômico: ‘América Latina verá cada vez menos populistas’

22/01/2019 – 05:00
‘América Latina verá cada vez menos populistas’
Por Assis Moreira e Daniel Rittner
A América Latina está se afastando cada vez mais do populismo econômico e adotando uma agenda liberal, mas as eleições presidenciais da Argentina e do Uruguai – ambas em outubro – são críticas para consolidar esse novo panorama político na região, segundo o executivo Ricardo Villela Marino, da família acionista do Itaú Unibanco. De uma rápida passagem por Buenos Aires, em dezembro, ele extraiu de conversas com empresários, clientes e economistas locais que o presidente Mauricio Macri tem “mais de 90%” de chances de reeleição.

Deslocado em 2018 para a presidência de um novo conselho estratégico do Itaú para a América Latina, Marino enfatiza que a instituição pretende ser reconhecida como “o” banco da região”. Está no caminho: fica entre os cinco principais bancos do Chile e da Colômbia, entre os três primeiros do Paraguai e do Uruguai e é o maior no segmento corporativo e de investimento na Argentina.

Hoje as operações latino-americanas representam de 7% a 8% do resultado total do Itaú Unibanco e 28% de seus empréstimos. Argumentando que não tem mandato interno para falar sobre o Brasil, evita fazer comentários sobre a reforma da Previdência. No entanto, manifesta expectativa positiva com a agenda que será apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial, em Davos. “Resta conhecer a capacidade de articulação política do governo para viabilizar a boa execução de todo esse plano.” Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual é sua expectativa sobre a mensagem que o novo governo brasileiro deve trazer a Davos?
Ricardo Villela Marino: É positiva. Primeiro, porque concordamos com o diagnóstico que a equipe econômica fez sobre os principais entraves que estão segurando o crescimento. Segundo, porque também concordamos que as primeiras medidas sugeridas para lidar com esses entraves são as mais adequadas. Terceiro, porque temos enorme respeito pela qualidade dos profissionais que compõem a equipe. Resta conhecer a capacidade de articulação política do governo para viabilizar a boa execução de todo esse plano.
A expectativa do mercado e dos participantes [do fórum] é que detalhem mais quais serão as prioridades nos primeiros cem dias, principalmente no que tange às reformas. O desafio não é apenas delinear o que vão fazer, mas como executar isso no dia a dia e negociar essas prioridades junto ao Congresso.

Valor: E quais são os potenciais impactos econômicos do governo Bolsonaro para a América Latina?
Villela Marino: Se essas reformas forem bem-sucedidas e o Brasil de fato crescer o que está sendo esperado pelos nossos economistas, de 2% a 2,5%, isso pode ter impacto muito positivo para o PIB argentino – em torno de 0,7 ponto percentual. O Brasil, indo bem, ajuda a Argentina, e eles torcem para que esse governo dê certo. Outro exemplo de impacto é a Venezuela. É um governo que está se posicionando pela primeira vez com relação à crise econômica, política, social e humanitária da Venezuela. Parece que será mais duro do que os anteriores e que a ditadura venezuelana não será mais tolerada. Dados a liderança e o peso do Brasil na diplomacia regional, a Venezuela ficará mais excluída agora.

Valor: Como o sr. vê a crise argentina e a possibilidade de recuperação econômica do país vizinho?
Villela Marino: Estive na Argentina em dezembro. Ouvi nossos economistas, clientes, executivos, gente do governo. Ficou claro que está havendo uma normalização da produção agrícola. A recuperação do Brasil provavelmente ajudará a atividade industrial e o crescimento do PIB em 2019. Os indicadores de demanda interna permanecem fracos, devido aos ajustes fiscais e monetários. Hoje, os economistas do Itaú na Argentina projetam crescimento zero neste ano, com riscos até enviesados para baixo. No entanto, a recessão e taxa de câmbio mais depreciada estão colaborando para estreitar o déficit comercial. Estimamos redução do déficit de conta corrente para 1,2% do PIB em 2019, que será financiado pelos recursos do FMI. Estamos trabalhando com a hipótese de que a meta de déficit primário zero vai ser cumprida. Os principais riscos estão relacionados às eleições.

Valor: E o que o sr. espera das eleições presidenciais de outubro?
Villela Marino: Elas podem ser um entrave à economia, provocando nova depreciação do peso, mantendo a inflação em patamares altos e impedindo o BC de promover queda nas taxas de juros. Pode haver consequências negativas para a atividade, a popularidade do governo e as chances de reeleição do presidente Mauricio Macri. Mas, quando você fala com economistas e com o empresariado local, além do próprio governo, eles apontam uma probabilidade de mais de 90% de o Macri conseguir a reeleição e colher, no início de 2020, os frutos de seus ajustes.

Valor: Seria importante evitar a tentação populista na Argentina?
Villela Marino: Sem dúvida. O que vai acontecer na Argentina é muito análogo ao que houve no Brasil. De um lado, teremos o Macri, com uma candidatura mais de centro-direita. Do lado populista, virá de novo a Cristina Kirchner, que seria um cenário [parecido com] Lula. Ela sempre tem força na base da pirâmide, aqueles quase 30% dos votos. E, pelo centro, está indefinido o peronista ou a peronista que vem para desequilibrar o jogo. No mercado, a aposta é que essa balança penderá para Macri.

Valor: Em vários países onde vocês atuam – Chile, Colômbia, Paraguai – houve eleições presidenciais recentes com vitórias de candidatos liberais. Essa tendência está consolidada na América do Sul?
Villela Marino: É a sabedoria da própria democracia como um todo. Tivemos experiências com governos mais populistas, que ficavam só no discurso, mas que deixavam os bolsos vazios e com corrupção no meio. O nível de intolerância com isso é crescente. Cada vez menos veremos populistas vencendo na América Latina, o que permite um desenvolvimento mais sustentável da economia, com atuação mais liberal. O Iván Duque, na Colômbia, tem ótima formação, é uma liderança pró-mercado, seus ministros estão na média dos trinta e poucos anos, todo sábado vão ouvir as demandas da população e implementar isso dia a dia no governo. São governos que querem estar próximos dos cidadãos, sem ser populistas e em prol do crescimento. As eleições na Argentina e no Uruguai são críticas para consolidar o panorama político latino-americano.

Valor: Como estão os negócios do Itaú na Argentina?
Villela Marino: O banco Itaú Argentina é pequeno, é o 15º do país, mas somos o primeiro no segmento corporativo e de investimentos. Fazemos os grandes negócios da Argentina e da região. Estamos investindo muito pioneiramente em banco digital. Coisas que não estamos fazendo nem mesmo no Brasil estamos fazendo lá em caráter piloto, justamente porque não vamos crescer comprando bancos nem abrindo novas agências.

Valor: Então, resta o digital como única aposta para a expansão?
Villela Marino: Dada a proximidade geográfica e cultural que temos com os países ao redor do Brasil, a América Latina é prioridade na expansão internacional. O nosso propósito é sermos conhecidos como “o” banco da América Latina, sermos uma referência na região para todos os serviços prestados a pessoas jurídicas e físicas. Nestes últimos anos, consolidamos nossa presença no nicho de operação que queríamos na Argentina, no Chile [após a fusão com o CorpBanca ], no Paraguai e Uruguai. Nesses países, atendemos todo o varejo bancário, empresas, corporate e tesouraria, com foco principal na atividade de banco comercial. Com essa recente fusão entre Itaú Chile e CorpBanca, asseguramos também presença na Colômbia e no Panamá. O banco criou um conselho estratégico para a América Latina. Queremos consolidar a visão de longo prazo do Itaú na região, com um olhar muito especial em inovação e tecnologia.

Valor: O fato de ter um vice-presidente do Facebook no conselho estratégico indica que vocês pensam em algo com essa plataforma?
Villela Marino: Só para recapitular, esse conselho é formado hoje por membros internos e externos. Os internos são Roberto Setubal, Candido Bracher, Caio David. Os externos convidei Andrés Velasco [ex-ministro da Fazenda do Chile], Ángel Corcóstegui [que “latino-americanizou” o Santander ], a economista mexicana Sonia Dulá [que era do Bank of America Merrill Lynch para a América Latina] e Alfonso Prat-Gay [ex-ministro da Argentina]. Por fim, Hugo Barra traz a presença de alguém que não é do sistema bancário, para pensar fora da caixa, com a mentalidade de inovação, digitalização e canais alternativos. Ele cuida do produto óculos no Facebook, de realidade aumentada. Quem sabe, no futuro, as pessoas estarão com seus óculos fazendo o “banking” como um todo. Precisamos de alguém que conheça tecnologia e nos provoque.
Valor: De toda maneira, o ano de 2018 foi de certa estagnação na América Latina. O quanto isso freou a expansão internacional do Itaú?
Villela Marino: O banco, em si, teve um ano muito bom. Estamos entre os cinco principais bancos do Chile e da Colômbia, entre os três primeiros do Paraguai e do Uruguai. Mesmo na Argentina, com toda essa volatilidade, tivemos um bom resultado e nos protegemos bem da oscilação no câmbio. Com relação à economia, estamos prevendo zero para o crescimento do PIB da Argentina neste ano, mas 3% de recuperação para 2020. Na Colômbia, esperamos 3,3% em 2019 e 3,6% no ano que vem. No Chile, aceleração de 3,5% para 4%. São mercados que estão crescendo quase o dobro do Brasil.

Fonte: https://www.valor.com.br/brasil/6074261/america-latina-vera-cada-vez-menos-populistas#

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