#Artigo: Fevereiros Brasileiros

             “O ano para o Rio de Janeiro começa com a Quaresma. O ano de trabalho, é preciso dizer. Até essa época não se faz verdadeiramente senão esperar pelo Carnaval”.

A passagem acima foi extraída de uma crônica escrita em certo mês de fevereiro. Pelo fato de ela soar tão atual e precisa, vocês podem ser levados a imaginar que eu me refiro a algum fevereiro deste século ou até, quem sabe, do anterior. Mas pasmem, amigos, trata-se de uma crônica de Raul Pompéia (autor, entre outras obras, do romance O Ateneu), publicada em 16 de fevereiro… de 1891. Nesse aspecto, muito pouco — ou quase nada — mudou no Rio e no resto do Brasil em 125 anos.

Eu gosto do Carnaval. Sou natural de Recife, e sempre vi nele a expressão máxima e mais autêntica da cultura popular de nossa gente. Todavia, estamos no século XXI. Os tempos mudaram. As sociedades mudaram. É imperioso mudarmos também.

As riquezas culturais precisam (e devem) ser preservadas e celebradas. Contudo, já é 2016, e nunca parece demais ressaltar que o sentido de ‘tradição’, neste caso, deva compreender, apenas, os festejos em si, com toda a exuberância, pluralidade e diversidade que lhes são característicos; e não, jamais, os velhos hábitos, costumes e conceitos que os acompanham e que, arraigados neles, continuam a remetê-los ao final do século XIX, à época do Pompéia, fazendo-os manifestar-se nos dias de hoje através da evocação e da consolidação de muitas daquelas suas práticas arcaicas, antigas, porém, infelizmente, na acepção mais nefasta que essas palavras podem conter.

Gustavo Melo*

*Gustavo Melo é escritor, mestre em Estudos Literários pela Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul.

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