“Na hora que quiser fazer sexo bem gostoso na boleia de um caminhão me liga. Que tu não vai te arrepender”

Rio Grande do Sul, Porto Alegre, domingo de Carnaval de 2014. Carla Teixeira, bancária, 34 anos, curtia a noite no bairro boêmio Cidade Baixa, na companhia de dois amigos. O relógio já marcava meia-noite e o trio decidiu voltar de táxi para casa.

Carla foi assediada dentro de um táxi, em Porto Alegre.

Carla foi assediada dentro de um táxi, em Porto Alegre.

Um dos amigos desceu na Rua Independência. O outro desceria na Anita Garibaldi. Carla bateu no ombro do taxista para informar-lhe o roteiro. Quando os dois amigos já tinham chegado aos seus destinos, Carla então deu seu endereço para que o táxi pudesse deixá-la em casa.

Foi deste momento em diante que as coisas começaram a mudar.

Taxista – Estava olhando vocês, e pelo jeito a festa estava boa na Cidade Baixa.  Tu é muito bonita e interessante.

Carla – Aham, tá, pois é.

O taxista pegou um cartão e entregou-o a Carla, que estava sentada no banco de trás.

Taxista – Na hora que quiser fazer sexo bem gostoso na boleia de um caminhão me liga. Que tu não vai te arrepender.

Carla – Não quero fazer sexo, quero apenas ir pra casa dormir.

Taxista – Não é o que parece, tu tá tão alegre, e do jeito que tocou no meu ombro eu soube que tu me queria. Tu não vai te arrepender, não sai daqui hoje sem me dar um beijo.

Carla – Não vou beijar, não vou nada, vou pra casa dormir!

Em frente ao seu prédio, Carla perguntou o valor da corrida. Eram R$35,00. Carla entregou uma nota de cinquenta reais e ouviu o taxista acionar as trancas das portas e dar uma risadinha.

Taxista – Vai me dar esse beijo antes de descer? Tu não vai te arrepender. Vou fazer bem gostoso.

Carla – Não! Eu vou descer e vou dormir. Daqui a pouco trabalho.

Por sorte, ele destravou as portas. Carla desceu correndo. Entrou em casa, sentindo um misto de ódio, nojo e raiva. Ela não conseguiu anotar a placa do carro, tampouco sabia qual era o modelo do veículo. Mas o que protagonizou por alguns minutos dentro do automóvel ela ainda guarda com detalhes na memória.

O que Carla Teixeira vivenciou chama-se assédio sexual. Ela faz parte do percentual de 52% das mulheres economicamente ativas que já sofreram esse tipo de assédio. Os dados são da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Desde o fatídico domingo, a bancária tem evitado pegar táxi sozinha, seja em Porto Alegre ou em qualquer cidade do mundo.  “Eu ainda estou processando tudo na cabeça. Foi uma situação muito constrangedora. Eu tenho o cartão dele com o celular, mas o prefixo não bate. Fiz a denúncia na EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação) e eles foram bem atenciosos. Estou criando coragem pra ligar pro cartão daquele infeliz e dizer que não consegui encontrá-lo no ponto de táxi e pegar o prefixo certo. Mas tenho me sabotado em relação a isso. Mas já combinei amanhã pela manhã de fazer isso junto com uns amigos. A prefeitura se colocou totalmente à disposição e vou denunciar o culpado”, relata.

Conforme a bancária, as mulheres são mais vulneráveis a esse tipo de assédio. Para ela, os homens agem instintivamente considerando o sexo feminino com um objeto, ou pela justificativa de que cometem assédio pelo comportamento social da mulher.

“Desde criança convivemos com esse tipo de abuso e assédio. Os homens pensam que se usamos roupa curta, estamos ‘pedindo. Se fulana transou com quase todos, vai transar comigo também. Ou pensam que este comportamento é o papel que eles têm de atuar para serem homens”, afirma.

"Os homens pensam que se usamos roupa curta, estamos ‘pedindo’".

“Os homens pensam que se usamos roupa curta, estamos ‘pedindo’”.

Denúncias e represálias

Carla não teve medo de se expor e de denunciar o taxista. Mas as represálias vieram de onde ela não esperava. Quando expôs a situação no seu perfil no Facebook, um amigo a chamou no privado e disse que o taxista apenas deu em cima dela. “Não aconteceu nada de mais. O cara tentou e não levou. Ponto!”.

Carla não teve medo de mostrar o rosto de denunciar o taxista.

Carla não teve medo de mostrar o rosto de denunciar o taxista.

Outro amigo perguntou se Carla estava vestindo roupas curtas ou se tinha sido muito simpática com o motorista. “Isso magoa, pois apesar do apoio de muitas pessoas, tive que ouvir piadinhas de mau gosto de muitas outras. Ainda ouço muita coisa por ter colocado a boca no trombone. Mas não me arrependo, temos que falar, gritar e espernear. Pois vão tentar colocar a culpa na vítima, sempre!”, destaca.

Carla sente medo de passar novamente por uma situação semelhante. “Acredito que se eu estivesse alcoolizada ele teria me tocado, ou feito coisa pior. Na cabeça dele o fato de eu estar vindo do Carnaval com uma máscara era um tipo de sinal verde”, diz.

Mesmo com todo o constrangimento, situações como essa precisam ser denunciadas. “Só assim podemos evitar que outras pessoas passem por algo semelhante. É algo muito difícil, porque a única coisa que eu queria naquele momento era esquecer o que tinha acontecido, mas é preciso tirar forças da alma para poder falar”, relata.

Disque-denúncia

Denúncias devem ser feitas através do telefone 181.

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